Um a um, os argumentos usados pelos seis Governadores que ingressaram no STF com a ADIn 4.848 contra o reajuste do Piso, foram desmontados pela Assessoria Jurídica do SINTE/SC. Veja o parecer na íntegra:
Parecer
Assunto: Magistério Público Estadual – ADIn nº 4.848/DF
Destacamos que o presente parecer baseou-se nas considerações apresentadas pelo Departamento Jurídico da CNTE
1. Argumentos Apresentados na ADIn
A Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta por Governadores de Estados da Federação questiona a validade do art. 5º da Lei nº 11.738/2008 porquanto consideram que fere aos princípios da separação dos poderes e da autonomia estadual (artigos 2º e 61, § 1º, da Constituição). A ADIn questiona a exigência de atualização anual do Piso Nacional dos Profissionais do Magistério, sempre no mês de janeiro, no mesmo percentual do valor mínimo por aluno do FUNDEB, pois, segundo o argumento, retiraria dos chefes do Poder Executivo a prerrogativa de avaliar a conveniência ou não quanto à elaboração de projeto de lei destinado à concessão de aumento ao funcionalismo público. O dispositivo da Lei questionado tem a seguinte redação:
Art. 5o O piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica será atualizado, anualmente, no mês de janeiro, a partir do ano de 2009.
Parágrafo único. A atualização de que trata o caput deste artigo será calculada utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente, nos termos da Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007.
Outro contraponto utilizado na Ação diz que a norma questionada afrontaria o art. 37, XIII, da Constituição, cujo teor veda a equiparação da remuneração dos servidores públicos a índices de reajuste. Nesse sentido, a argumentação constante da ADI nº 4.848/DF aferra-se à premissa de que a utilização do valor mínimo por aluno do FUNDEB como parâmetro para a atualização do Piso Nacional dos Profissionais do Magistério teria o objetivo de estabelecer uma espécie de indexador automático a ser aplicado obrigatoriamente pelos entes federativos.
Por último, alega a ofensa ao art. 206, VIII, da Constituição e ao art. 60, III, “e”, do ADCT, justificando que ambos as regras jurídicas exigem que as atualizações anuais do valor do Piso Nacional dos Profissionais do Magistério sejam feitas por meio de lei específica. Assim, entendem os governadores que não é permitido a fixação dos respectivos índices de reajustamento em portarias do Ministério da Educação.
2. O Princípio Federativo e o Precedente do STF
Importante lembrar que a matéria atinente a violação da competência legislativa dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, com respeito a determinação do valor do Piso Nacional do Magistério, já foi objeto de análise na primeira ADIn proposta pelos Governadores. A emenda do acórdão do Supremo Tribunal Federal confirmou que, por força do art. 206 da Constituição, a União pode legislar sobre a determinação do valor do vencimento inicial na carreira do magistério, bem como os mecanismos de indexação. O acórdão apresenta os elementos fundamentais da pretensão dos integrantes do magistério público estadual:
Ementa:
CONSTITUCIONAL. FINANCEIRO. PACTO FEDERATIVO E REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIA. PISO NACIONAL PARA OS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA. CONCEITO DE PISO: VENCIMENTO OU REMUNERAÇÃO GLOBAL. RISCOS FINANCEIRO E ORÇAMENTÁRIO. JORNADA DE TRABALHO: FIXAÇÃO DO TEMPO MÍNIMO PARA DEDICAÇÃO A ATIVIDADES EXTRACLASSE EM 1/3 DA JORNADA. ARTS. 2º, §§ 1º E 4º, 3º, CAPUT, II E III E 8º, TODOS DA LEI 11.738/2008. CONSTITUCIONALIDADE. PERDA PARCIAL DE OBJETO.
1. Perda parcial do objeto desta ação direta de inconstitucionalidade, na medida em que o cronograma de aplicação escalonada do piso de vencimento dos professores da educação básica se exauriu (arts. 3º e 8º da Lei 11.738/2008).
2. É constitucional a norma geral federal que fixou o piso salarial dos professores do ensino médio com base no vencimento, e não na remuneração global. Competência da União para dispor sobre normas gerais relativas ao piso de vencimento dos professores da educação básica, de modo a utilizá-lo como mecanismo de fomento ao sistema educacional e de valorização profissional, e não apenas como instrumento de proteção mínima ao trabalhador.
3. É constitucional a norma geral federal que reserva o percentual mínimo de 1/3 da carga horária dos docentes da educação básica para dedicação às atividades extraclasse.
Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. Perda de objeto declarada em relação aos arts. 3º e 8º da Lei 11.738/2008.
Decisão
O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação direta quanto ao § 1º do artigo 2º, aos incisos II e III do art. 3º e ao artigo 8º, todos da Lei nº 11.738/2008, com a ressalva do voto do Senhor Ministro Gilmar Mendes, que dava interpretação conforme no sentido de que a referência do piso salarial é a remuneração, e vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio Mendes de Mello.
Portanto, a análise da lei, pelo STF, acabou por considerar o dispositivo contido no art. 206, VIII da Constituição como típico mecanismo estruturante da ordem jurídica adicionado ao rol de garantias sociais e econômicas. Em conseqüência do princípio federativo deve-se a observância obrigatória do preceito, inclusive, impondo aos entes subnacionais o integral cumprimento da legislação regulamentadora. Considera-se que a impugnação não encontra suporte na Constituição e nem mesmo nos precedentes do STF.
A mesma lógica utilizada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do mérito da ADI nº 4.167/DF é plenamente aplicável ao art. 5º, da Lei nº 11.738/2008, na medida em que o referido dispositivo legal, ao estabelecer a forma de atualização do valor do Piso Nacional dos Profissionais do Magistério, teve por intuito promover a concretização do art. 206, VIII, da Constituição Federal, no que concerne, justamente, à valorização do magistério por intermédio da fixação de parâmetros uniformes de remuneração para os docentes das redes públicas de ensino. Assim, garante-se a manutenção do valor real contra a discricionariedade dos chefes do Poder Executivo estadual, distrital ou municipal, se acaso ocorresse, acabaria por comprometer completamente a natureza de princípio constitucional atribuída ao Piso.
De fato, se a atualização do Piso Nacional dos Profissionais do Magistério dependesse dos projetos de lei formulados pelos governadores e prefeitos, o intuito equalizador que orientou a elaboração da Lei nº 11.738/2008 viria se perder completamente, porquanto os índices de reajuste a serem conferidos anualmente no âmbito das diferentes unidades federativas poderiam variar consideravelmente, resultando, ao fim e ao cabo, no restabelecimento do quadro de desigualdade remuneratória que aquele diploma legal procurou eliminar. Assim, com o passar do tempo, o Piso Nacional dos Profissionais do Magistério perderia a uniformidade atribuída pela lei e a natureza de princípio constitucional dada pelo STF, pois sua sucessiva atualização por intermédio de diferentes índices criaria valores diferentes com validade restrita às respectivas unidades federativas.
Vê-se, portanto, que o estabelecimento de critérios uniformes para a atualização do valor do Piso Nacional dos Profissionais do Magistério, nos termos do art. 5º, da Lei nº 11.738/2008, é condição essencial para o atendimento às diretrizes e bases da educação nacional elencadas nos artigos 206, I, VII, 211, § 1º, e 214, III da Constituição Federal, em especial no que diz respeito à valorização do magistério.
3. A Vinculação do art. 37, XIII da Constituição
O segundo argumento lançado na ADIn diz respeito a vedação contida no art. Art. 37 , XIII da Constituição, que apresenta a seguinte redação:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Assinala-se que a vinculação ou equiparação tem referência a “quaisquer espécies remuneratórias”, ou seja, a Constituição proíbe que grandezas que expressam parâmetros gerais de pagamentos possam ser utilizadas para indexar a remuneração dos servidores públicos. Nas vedações incluem-se, por exemplo, o salário mínimo, vantagens pessoais ou vencimento do nível inicial da carreira.
Ao contrário do que pensam os Governadores, o valor do Piso Nacional do Magistério não foi fixado levando-se em conta determinadas “espécies remuneratórias” (ex.: 3,2 vezes o salário mínimo, ou 2 vezes o valor mínimo anual por aluno). O critério de atualização, por outro lado, corresponde a variação percentual do valor anual por aluno que se coaduna com as diretrizes constitucionais concernentes à equalização da qualidade do ensino básico e à valorização do magistério.
Portanto, constatamos que a forma de indexação do Piso Nacional do Magistério não afronta o art. 37, XIII da Constituição.
4. A Necessidade de Lei para Atualização do Piso
O último argumento apresentado na ADIn – exigência de lei específica para a definição dos valores atualizados do Piso – também não encontra respaldo no texto constitucional. Na verdade, o parágrafo único do art. 5º da Lei nº 11.738 exaure a pretensão, porquanto declara expressamente que o valor mínimo por aluno respeitará os parâmetros fixados na lei 11.494/2007, que regulamenta o FUNDEB. Os dispositivos daquela lei assinalam:
Art. 1o É instituído, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, de natureza contábil, nos termos do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT.
Parágrafo único. A instituição dos Fundos previstos no caput deste artigo e a aplicação de seus recursos não isentam os Estados, o Distrito Federal e os Municípios da obrigatoriedade da aplicação na manutenção e no desenvolvimento do ensino, na forma prevista no art. 212 da Constituição Federal e no inciso VI do caput e parágrafo único do art. 10 e noinciso I do caput do art. 11 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, de:
I – pelo menos 5% (cinco por cento) do montante dos impostos e transferências que compõem a cesta de recursos do Fundeb, a que se referem os incisos I a IX do caput e o § 1o do art. 3o desta Lei, de modo que os recursos previstos no art. 3o desta Lei somados aos referidos neste inciso garantam a aplicação do mínimo de 25% (vinte e cinco por cento) desses impostos e transferências em favor da manutenção e desenvolvimento do ensino;
II – pelo menos 25% (vinte e cinco por cento) dos demais impostos e transferências.
Art. 2o Os Fundos destinam-se à manutenção e ao desenvolvimento da educação básica pública e à valorização dos trabalhadores em educação, incluindo sua condigna remuneração, observado o disposto nesta Lei.
Portanto, em perfeita consonância com o disposto em lei, os fundos criados por lei têm o objetivo precípuo de manter o desenvolvimento da educação básica, além de promover a valorização dos profissionais do magistério. Há coerência no ordenamento jurídico ao determinar que a indexação da remuneração dos membros do magistério respeite a variação do incremento das receitas do FUNDEB.
Ainda assim, importa destacar que alegação dos governadores se volta contra a infringência do art. 206, VIII da Constituição e art. 60 do ADCT, com a seguinte redação:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.” (Destacou-se)
Art. 60. Até o 14º (décimo quarto) ano a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as seguintes disposições:
III – observadas as garantias estabelecidas nos incisos I, II, III e IV do caput do art. 208 da Constituição Federal e as metas de universalização da educação básica estabelecidas no Plano Nacional de Educação, a lei disporá sobre:
e) prazo para fixar, em lei específica, piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica.” (Destacou-se)
Para ambos os dispositivos da Constituição, a exigência de lei é para a fixação do valor do Piso Nacional do Magistério e não para estabelecer-se o mecanismo de indexação. Portanto, entende-se que a impugnação não está de acordo com a ordem constitucional.
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