“O que me preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem-caráter, nem dos sem-ética. O que mais me preocupa é o silêncio dos bons”. (Martin Luther King)

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA: A DISCUSSÃO SOBRE RELAÇÕES RACIAIS NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS

O Brasil contemporâneo participa do crescente debate em torno das políticas de promoção da igualdade das relações étnico-raciais. Como pano de fundo, é importante ressaltar a assinatura do “Plano de ação contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e intolerâncias correlatas”, elaborado durante a conferência realizada em Durban, na África do Sul, em 2001, reconhecendo a existência do racismo e suas consequências, e comprometendo-se a adotar políticas de ações afirmativas.
O debate sobre promoção da igualdade das relações étnico-raciais nas escolas ganha intensidade a partir de janeiro de 2003, quando foi sancionada a Lei no 10.639/2003. Como política pública de educação, ela surgiu em resposta a reivindicações históricas de pessoas e grupos do movimento social negro que, de diferentes maneiras, têm-se empenhado em prol de ações concretas contra o racismo, o preconceito e as discriminações raciais na sociedade de forma geral e na educação especialmente.

A LDB já não é a mesma. Conforme já citado, a promulgação da Lei 10.639/2003 altera a LDB, incluindo o artigo 26-A, o qual torna obrigatória a temática história e cultura afro-brasileira no currículo oficial da rede de ensino, e, ainda, o artigo 79-B, que estabelece para o calendário escolar o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra. Posteriormente, em março de 2004, o Conselho Nacional de Educação referendou o dispositivo legal, aprovando as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, identificadas como resolução CNE/CP, 1/2004.
Essas diretrizes explicitam aspectos e princípios fundamentais para a produção de sentidos que contribuem para a gestação de uma nova gramática das relações étnico-raciais, como preconiza a lei. Considerando-se nossa sociedade multirracial e multiétnica, profundamente marcada por desigualdades e contradições, ditas e não ditas, vivemos um momento privilegiado em que práticas isoladas voltadas para a educação anti-racista podem dar lugar a um olhar crítico, a um diálogo denso e tenso do qual já não se pode fugir. Nesse sentido, vale destacar pelo menos três aspectos fundamentais para que se instaure uma política que faça do reconhecimento das diferenças um caminho para a revisitação de condutas e a busca de referenciais para a construção da igualdade de direitos.
O primeiro aspecto recai sobre o esforço para entender a complexidade das relações raciais no Brasil. Tal movimento exige problematizar e esmiuçar como são construídas histórica e socialmente as concepções racistas e como em torno delas são engendrados os esquemas interpretativos que informam e orientam as práticas preconceituosas e discriminatórias, muitas vezes “silenciosas”, silenciadas e naturalizadas. Como posicionar-se estrategicamente contra o que supostamente não existe?
O segundo aspecto pressupõe a necessidade de problematizar a ideia de um Brasil da democracia racial, sem o que dificilmente poderão ser evidenciadas as “descordialidades” e tampouco compreender como a democracia racial se faz mito, escamoteando os conflitos e as contradições que, em nome da pretensa igualdade, acabam por reproduzir e amparar doutrinas, opiniões e atos racistas. Ao esconder e negar as diferenças, apenas os valores de alguns grupos são chancelados em detrimento de outros, de forma que a polarização superior–inferior engendra uma segregação eficiente, na medida em que é dissimulada. Como explicar que os grupos herdam e recriam legados singulares e suas diferenças culturais não se associam às relações de poder que se traduzem em hierarquizações de toda sorte? Como explicar que assumir como princípio básico as diferenças é pressuposto para discutir e negociar entre os diferentes projetos capazes de promover relações de igualdade perante os direitos constitucionais conquistados?
Por fim, o terceiro aspecto, umbilicalmente relacionado ao anterior, aponta a necessidade de se reconhecer que, no Brasil, o racismo, bem como o preconceito e a discriminação racial, são elementos estruturantes da sociedade e ainda balizam as relações sociais e institucionais, hierarquizando as diferenças e inferiorizando um grupo – o negro – em detrimento de outro – o branco. Como decifrar os tantos indicadores de pesquisas e estudos que desagregados por cor/raça invariavelmente demonstram desigualdades expressivas entre brancos e negros?
Do reconhecimento e da afirmação das diferenças à construção de igualdades de direitos há ainda um longo percurso e grandes desafios, os quais toda a sociedade está convocada a assumir. Com a Lei no 10.639/2003 a escola aparece como locus privilegiado para agenciar alterações nessa realidade, e é dela a empreitada de acolher, conhecer e valorizar outros vínculos históricos e culturais, refazendo repertórios cristalizados em seus currículos e projetos pedagógicos e nas relações estabelecidas no ambiente escolar, promovendo uma educação de qualidade para todas as pessoas.
Como aparece nas diretrizes, o enredamento da tarefa requer aprendizagens que “questionem relações étnico-raciais baseadas em preconceitos que desqualificam os negros e salientam estereótipos depreciativos, palavras, atitudes que, velada ou explicitamente violentas, expressam sentimentos de superioridade em relação aos negros, próprios de uma sociedade hierárquica e desigual” (Diretrizes, 2005, p. 12). Para além dos dispositivos legais, trata-se da inserção em um processo de reeducação: conhecer, entender, esmiuçar, rever, reconstruir as ideias e noções e práticas que, até então, amparam as desigualdades étnico-raciais que se fazem presentes em todos os níveis de ensino.
Na educação infantil apenas muito recentemente o tema tem sido estudado e pesquisado. Permaneceu durante muito tempo a ideia de que a abordagem da temática étnico-racial na educação infantil seria desnecessária pela suposição de que entre crianças pequenas não haveria preconceitos e de discriminação racial. No entanto, estudos recentes revelam que desde a mais tenra idade crianças negras e brancas convivem com situações conflituosas no tocante à identidade étnico-racial. É possível detectar que, dada a sociabilidade, crianças negras manifestam uma visão de inferioridade com relação ao seu pertencimento étnico-racial enquanto crianças brancas expressam um sentimento de superioridade, sendo, em algumas situações, preconceituosas com relação às crianças negras.
De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) (Brasil, 1998), a autoestima que a criança pequena desenvolve é em grande parte interiorização da estima que se tem por ela e da confiança da qual ela é alvo. Falar em autoestima das crianças pequenas significa compreender a singularidade de cada uma delas em seus aspectos corporais, culturais e étnico-raciais. As pessoas constroem uma natureza singular que as caracteriza como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito próprio desde os primeiros anos de idade.
Compreendendo o significado do desenvolvimento da infância e do direito à educação das pessoas ao longo de suas vidas, é necessário rever nossas práticas educativas de modo que possamos destacar as questões étnico-raciais.
É com base nessas referências é necessário dialogar com os atores presentes na comunidade escolar sobre quais são as possibilidades e os desafios para a implementação da Lei no 10.639/2003 de forma efetiva dentro do ambiente escolar.

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